domingo , 5 maio 2024
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Cicatrizes que ainda ardem

A cada ano que passa, mais tempo se soma ao período que divide a atualidade e o trágico acontecimento que abalou a região do Médio Alto Uruguai e o Estado, ganhando manchetes nos maiores jornais do país. A cada 12 meses, parece mais difícil escrever sobre um tema tão dolorido, mas que a cada 27 de janeiro se torna impossível ignorar. Neste dia, há exatos 42 anos, uma tragédia feriu não só pessoas, como machucou a alma de quem acompanhou os acontecimentos que se sucederam à explosão da Fábrica de Óleos Taquaruçu do Sul LTDA.

Para o professor de História da URI-FW, Breno Sponchiado, a recordação não é apenas parte da profissão ou do acompanhamento do fato. Na época com nove anos, ele perdeu o irmão mais velho no acidente, o jovem de apenas 19 anos, Belvoir Luiz Sponchiado, que trabalhava há apenas dois anos no local. “Ele cuidava da parte da extração mesmo. Mas naquele dia, não iria trabalhar, foi para substituir um colega que faltou”, recorda.

Era em torno das 9h quando a comunidade ouviu dois fortes estrondos, seguidos de uma espessa fumaça que era possível ser vista em Frederico Westphalen. “As testemunhas dizem que um forte cheiro do gás hexano, usado na extração do óleo de soja, tomou conta do lugar, antes da explosão. Cinco extratores foram atingidos, após faíscas iniciarem em duas caldeiras de solvente”, explica o professor.

Depois disso, o que se relatou, na época, beira o caos. Sem Corpo de Bombeiros – o mais perto era em Palmeira das Missões, a cerca de 70 quilômetros, o que tornou o socorro impossível, já que quando a guarnição chegou, nada mais era possível fazer –, os feridos corriam desesperados pelas ruas, em chamas, perdendo, inclusive, partes do corpo. Um cenário digno de um filme de terror que jamais será esquecido por quem viveu aqueles dias. “Eu era pequeno, não entendia muito, mas tinha condições de perceber que era algo muito grave. Minha mãe, por alguns instantes, tinha ficado aliviada porque era a folga do meu irmão. Mas logo depois ela lembrou que ele tinha sido chamado para trabalhar. Foi muito triste”, descreve.

Ajuda
A ajuda veio das cidades próximas, e de Frederico. Empresas enviavam bombas de água para auxiliar no combate ao fogo e extintores – cerca de 150 foram doados. O cenário devastador contava apenas com o trabalho dos próprios moradores, que utilizavam baldes com água, retirada de uma lagoa próxima, para tentar abater as chamas. No total, 25 operários trabalhavam naquele turno de trabalho, com 12 feridos, muitos, gravemente.

Os pacientes foram encaminhados para o Hospital Divina Providência, mas a falta de condições de atendimento em virtude da gravidade dos ferimentos, obrigou o médico responsável, Ennio Flores de Andrade, solicitar a transferência para o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS). Para isso, um avião da Ouro e Prata desceu no aeroporto de Frederico, mas não decolou, já que o piloto alegou falta de condições na pista e dificuldades com o tempo instável.

Duas pessoas foram importantíssimas neste momento. O empresário Pedro Locatelli, mesmo sob más condições climáticas, usou a própria aeronave para transportar Lídio Dal Piva, em estado gravíssimo. O cirurgião-dentista Dalmor Grapiglia acompanhou o paciente. Infelizmente, devido à gravidade do caso, e falta de oxigênio no avião, a vítima morreu durante o voo, segundo os relatos do piloto, nas proximidades de Soledade. Mesmo assim, a viagem continuou e na capital, o corpo foi levado até o hospital, para que fosse providenciada a declaração de óbito.

Belvoir foi transportado no avião de Germano Soerensen, com acompanhamento do estudante de medicina, Alfredo Trevisol. Ele ficou alguns dias hospitalizado HPS, mas não resistiu. “Foi e ainda é muito difícil. Era meu irmão mais velho, o que ajudava em casa. Depois disso, minha mãe nunca mais se recuperou. E em virtude de problemas de saúde morreu, após complicações em uma cirurgia no fígado, aos 46 anos”, conta Breno.

Uma terceira aeronave, que aguardava em Iraí, encaminhou os pacientes Eljo Antonio de Mello e Valdomiro da Silva a Porto Alegre. Luiz Valdir dos Santos, Luiz Santos, Ernesto Carvalho, Alcides Alves dos Santos e João Pedro de Melo foram transportados somente no outro dia. Morreram em consequência da tragédia, Belvoir Luiz Sponchiado, Dormario de Brito, Eljo Antonio de Mello, Jovino Arruda dos Santos, Lídio Dal Piva, Luiz Valdir dos Santos e Valdomiro da Silva.

– A perícia realizada na época apontou negligência, imprudência e imperícia, uma vez que vazamentos eram comuns no lugar. Nunca houve uma indenização correta, uma vez foi arbitrada em 500 salários-mínimos, mas quem recebeu, teve acesso a valores irrisórios. A minha família jamais aceitou esse dinheiro. Meu pai sempre disse que a justiça será feita por Deus neste caso –, finaliza Breno.

A empresa
Na época, a fábrica produzia 1.700 quilos de farelo por dia, em cada um dos cinco extratores. Respondia pela empresa, Renato Bastos Alencastro. Estima-se que o prejuízo tenha sido de R$ 2 milhões de cruzeiros – hoje, o equivalente a R$ 7.273,00, devido às perdas monetárias. Mais de 100 famílias dependiam da empresa, que ficou um ano parada até que as atividades fossem normalizadas, já que também foram destruídos outros equipamentos como tanques, motores, separadores, condensadores, instalações elétricas e física. Pouco tempo depois da reabertura, um novo princípio de incêndio fez com que os proprietários fechassem a fábrica, que não mais operou.

Superação
Com 64 anos, Luiz Santos, o Teleco, é um dos sobreviventes, e tinha 22 anos quando ocorreu a tragédia. Trabalhando há pouco mais de um ano como operador-auxiliar, ele conta que vazamentos de gás eram normais na atividade. “Quando vimos que estava vazando, eu fui lá e fechei o registro. Avisei o operador principal e ele pediu para que eu fechasse também os tanques. Quando eu voltei, ouvimos a explosão. A gente corria desesperadamente. Olhávamos para trás e tudo pegava fogo, íamos tirando a roupa”, relembra.

Bastante atingido nas costas, Teleco foi transportado para o HPS somente no outro dia. “Eu fiquei deitado sobre as feridas, e fui sentado no avião, machucando as queimaduras. Depois, não lembro mais nada”, diz. O tratamento durou mais de um ano, e Teleco ficou com sequelas nas mãos, que ficaram atrofiadas, muitas cicatrizes nas costas, braços e tem fortes dores em uma das pernas, onde foi feito um enxerto. Ele se aposentou, pois não tinha mais condições de trabalhar, casou e teve dois filhos.

Solidariedade
O empresário Pedro Locatelli, na época, trabalhava em Frederico Westphalen com maquinários agrícolas e bombas de água. A comunidade de Taquaruçu do Sul, que era distrito do município, solicitou ajuda. A empresa contava com uma bomba grande, que ajudou no combate às chamas. “O equipamento empurrava entre 40 e 50 mil litros de água por hora”, recorda. Com a necessidade de transportar os feridos graves a Porto Alegre, ele foi o piloto que levou pacientes em sua própria aeronave, no dia e depois da explosão. Cada voo durava em torno de 1h50 para completar o trecho. “Foi terrível, ficávamos em um estado indescritível ao ver como as pessoas ficaram, em virtude das queimaduras”, lamenta Locatelli.

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